quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

"Esperei o médico, enquanto me perguntava se devia me mandar dali. Eu sabia que o que eu estava fazendo era ilegal – em Massachussetts pelo menos, porque o estado era abarrotado de católicos –, mas a dra. Nolan me disse que esse médico era um velho amigo dela, além de um homem sábio.
- Qual é o motivo da consulta? – quis saber bruscamente a recepcionista, vestida num uniforme branco e riscando meu nome numa lista.
- Como assim, o motivo? – Eu esperava que só o médico fosse me perguntar aquele tipo de coisa. A sala estava cheia de outras pacientes esperando por seus médicos, muitas das quais estavam grávidas ou com bebês de colo, e senti seus olhos em minha barriga reta e virginal.
A recepcionista me encarou, e fiquei vermelha.
- Contracepção, não é? – ela disse, simpática. – Só queria saber quanto vamos te cobrar. Você é estudante?
- S-sim.
-Então vai custar a metade. Cinco dólares, em vez de dez. Mando a fatura para casa?
Eu estava prestes a dar a ela o endereço de casa, onde eu provavelmente estaria quando a fatura chegasse, mas então imaginei minha mãe abrindo o envelope e descobrindo o que era. O único outro endereço que eu tinha era a caixa postal que as pessoas usavam para disfarçar o fato de que viviam numa clínica psiquiátrica. Mas achei que a recepcionista fosse reconhecer o número, então disse que era melhor pagar logo e tirei cinco dólares do rolo de notas na minha bolsa.
Os cinco dólares eram parte do dinheiro que Philomena Guinea havia me enviado como uma espécie de presente por estar ficando boa. Imaginei o que ela pensaria se soubesse para que eu estava usando o dinheiro.
Sabendo ou não, Philomena Guinea estava comprando a minha liberdade.
- Odeio a ideia de ficar sob a tutela de um homem – eu havia dito à dra. Nolan – Um homem não tem preocupação nenhuma no mundo, enquanto a possibilidade de ter um bebê paira sobre a minha cabeça como uma espada, me fazendo andar na linha.
-Você agiria diferente se não tivesse que se preocupar com o bebê?
-Sim – eu disse –, mas... – E contei à dra. Nolan sobre a advogada casada e sua defesa da castidade.
A dra. Nolan esperou que eu terminasse, então explodiu numa gargalhada – Propaganda! – ela disse, e rabiscou o nome e o endereço do médico num papel.
Folheei nervosamente um exemplar de Baby Talk. Rostos gordos e brilhantes dos bebês sorriam para mim, página após página – bebês carecas, bebês cor de chocolate, bebês com cara de Eisenhower, bebês rolando pela primeira vez, bebês procurando por chocalhos, bebês comendo a primeira colherada de alimento sólido. Bebês fazendo todas as coisas necessárias para amadurecer, passo a passo, e encarar um mundo agitado e instável.
Senti um cheiro que era uma mistura de cereal infantil, leite azedo e fraldas fedendo a bacalhau, e me senti infeliz e frágil. Como parecia fácil ter bebês para aquelas mulheres! Por que eu era tão distante e pouco maternal? Por que eu não tinha vontade de devotar minha vida a uma série de bebês gordos, como Dodo Conway?
Eu ficaria louca se tivesse que cuidar de um bebê o dia todo.
Olhei para o bebê no colo da mulher à minha frente. Eu não tinha a menor ideia da idade dele. Nunca consegui adivinhar esse tipo de coisa com bebês - por mim ele podia falar pelos cotovelos e ter vinte dentes atrás de seus lábios rosados. Sua cabecinha oscilava sobre seus ombros – ele parecia não ter pescoço – e ele me observava com uma expressão sábia e platônica.
A mãe do bebê sorria sem parar, segurando aquele bebê nos braços como se fosse a primeira maravilha do mundo.  Fiquei encarando a mãe e o bebê em busca de uma pista que explicasse sua satisfação mútua, mas, antes de ter chegado a uma conclusão, o médico me mandou entrar.
- Você quer um contraceptivo – ele disse alegremente, e eu respirei aliviada achando que ele não era o tipo de médico que fazia perguntas embaraçosas. Eu tinha considerado a possibilidade de dizer a ele que planejava me casar com um marinheiro assim que o navio dele atracasse no cais da Marinha de Charleston, e que só não tinha um anel de noivado porque éramos muito pobres, mas na última hora resolvi deixar essa história para lá e disse apenas que ‘sim.’
Subi na mesa do exame pensando: ‘estou subindo rumo à liberdade. Vou me libertar do medo, de me casar com a pessoa errada – Buddy Willard, no caso – só por causa do sexo, daquelas instituições para onde vão todas as garotas pobres que deviam ter usado contraceptivo como eu, porque o que quer que elas tenham feito, elas acabarão fazendo de novo...’.
Voltei para a clínica com a minha caixinha embrulhada em papel pardo no colo, como a sra. Fulana voltando de um dia na cidade com um bolo para a tia solteirona ou um chapéu do Filene’s Basement. Aos poucos, minha suspeita de que católicos tinham visão de raio X diminuiu, e fiquei mais à vontade. Eu tinha aproveitado bem meu dia de compras.
Eu era dona de mim mesma." 
(A Redoma de Vidro - Sylvia Plath)