A água gelada toca meu rosto de novo. Não
sei bem o que planejo alcançar quando repito o gesto, mas ao levantar os olhos,
encaro a mesma pessoa no espelho. Minha cadela tem este olhar meio perdido
quando se vê no espelho da sala. Neste instante, eu me olho como Frida.
Engraçado como a gente facilmente se esquece que somos meramente animais.
Lavo o rosto de novo. Vai ver depois da
quarta vez eu ache algo diferente. Não; É apenas mais da mesma coisa. A mesma
bagunça. Quem é você? O que quer? O que almeja? Visão política? Gosto musical?
Tamanho de roupa? Lugar preferido no mundo? Filme favorito? Um poema que te
descreva? Qual é o seu nome? De onde você vem? Para onde você vai? Perguntas,
perguntas, perguntas. Tantas perguntas.
O frio da água. O macio da toalha. A dureza
do chão sob meus pés. Sensações que me invadem sem que eu permita. O aperto no
peito que é apreensão de não saber o amanhã. Não tenho idéia para onde vou, mas
estou indo. Isto assusta. Não tenho idéia do que sinto, mas vou sentindo. Isto
dói. A gente vai pra frente, nem que seja se arrastando, porque tem que
acompanhar o mundo e é para frente que o mundo vai. E meu corpo amanhece ralado
das feridas do encontro ao chão.
Eu não sei o que eu quero, mas sei o que o
mundo quer de mim. Eu tenho que ir. Não sei se eu quero. Uma escola, um curso,
um emprego. Um homem, um filho, um amor. O que eu quero? O que eu quero?
Lavo o rosto de novo. Como se a água que
corre fosse me livrar das alienações de viver aqui. Fosse esclarecer minhas
vontades, o que eu sinto. Se é que ainda me é dado o direito de sentir. Sentir sem
que seja o que você quer que eu sinta. E você, quem é?
Viver, meu Deus, que diabos é isto?