Encaro o piano. Será que na ânsia de subsistir, arranquei os braços? O que antes eram páginas de possibilidades, hoje são ideias sôfregas e embebidas de impossibilidade. Porque eu não sou. Porque eu não sei.
Será que eu mesma podei minhas asas? E sigo mutilada. A esmo, desiludida e cansada. Sem fim, começo ou meio. Só vontades que nunca serão. Alegrias de verão em verão.
Será que eu mesma podei minhas asas? E terei para sempre que conviver com os fantasmas. De tudo que poderia (tudo o que eu queria) ter sido e não fui.
segunda-feira, 31 de agosto de 2015
terça-feira, 28 de julho de 2015
O tempo e o relativo
Um dia destes achei ter aperfeiçoado a máquina do tempo. Estiquei as mãos pela janela de três anos atrás e jurei sentir teu frio. Respirei três anos a frente e senti o mesmo aroma, o carinho gelado de seu ar. Jurei ter voltado. Jurei ter estado todos estes dias atrás. Não sei se memória, alucinação ou miragem, só sei ter sido. Hoje eu voltei todos esses dias atrás e estive contigo.
Ah, amor, o que é que a saudade não faz? Rompi os laços da verdade para te ter aqui. Pulei o tempo, o dinheiro, a distância. Te carrego comigo. Me arraste pra você.
sábado, 28 de fevereiro de 2015
Quando te vejo desafiar os enigmas do espaço tempo. (Tu és ontem hoje amanhã). Tomar teu martelo e cravar o mármore; o bloco frio e desforme que por tuas mãos ganha beleza. Então, tal qual Michelangelo, desnudar a carne humana, libertar o anjo que para ti sempre estivera ali. Tomar esta língua, conjunto amorfo e ordinário de repetições, desvendar o abstruso elementar e fazer sentir. A pedra fria torna-se carne sob meus olhos. O pixel ultrapassa a tela, ganha pulso e bate. Um soco, um sopro, uma sinapse, uma contração.
Minha própria voz falha. De tantos ouvidos, muda. Minhas palavras são balbucios. Meus desenhos mãos e olhos. Tu és espelho, e eu estetoscópio em minha estúpida imitação. Professum (e assim sinto,) para sempre alumnié.
terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
"Esperei o médico, enquanto me perguntava se devia me mandar dali. Eu
sabia que o que eu estava fazendo era ilegal – em Massachussetts pelo menos,
porque o estado era abarrotado de católicos –, mas a dra. Nolan me disse que
esse médico era um velho amigo dela, além de um homem sábio.
- Qual é o motivo da consulta? – quis saber bruscamente a recepcionista,
vestida num uniforme branco e riscando meu nome numa lista.
- Como assim, o motivo? – Eu esperava que só o médico fosse me perguntar
aquele tipo de coisa. A sala estava cheia de outras pacientes esperando por
seus médicos, muitas das quais estavam grávidas ou com bebês de colo, e senti
seus olhos em minha barriga reta e virginal.
A recepcionista me encarou, e fiquei vermelha.
- Contracepção, não é? – ela disse, simpática. – Só queria saber quanto
vamos te cobrar. Você é estudante?
- S-sim.
-Então vai custar a metade. Cinco dólares, em vez de dez. Mando a fatura
para casa?
Eu estava prestes a dar a ela o endereço de casa, onde eu provavelmente
estaria quando a fatura chegasse, mas então imaginei minha mãe abrindo o
envelope e descobrindo o que era. O único outro endereço que eu tinha era a
caixa postal que as pessoas usavam para disfarçar o fato de que viviam numa
clínica psiquiátrica. Mas achei que a recepcionista fosse reconhecer o número,
então disse que era melhor pagar logo e tirei cinco dólares do rolo de notas na
minha bolsa.
Os cinco dólares eram parte do dinheiro que Philomena Guinea havia me
enviado como uma espécie de presente por estar ficando boa. Imaginei o que ela
pensaria se soubesse para que eu estava usando o dinheiro.
Sabendo ou não, Philomena Guinea estava comprando a minha liberdade.
- Odeio a ideia de ficar sob a tutela de um homem – eu havia dito à dra.
Nolan – Um homem não tem preocupação nenhuma no mundo, enquanto a possibilidade
de ter um bebê paira sobre a minha cabeça como uma espada, me fazendo andar na
linha.
-Você agiria diferente se não tivesse que se preocupar com o bebê?
-Sim – eu disse –, mas... – E contei à dra. Nolan sobre a advogada
casada e sua defesa da castidade.
A dra. Nolan esperou que eu terminasse, então explodiu numa gargalhada –
Propaganda! – ela disse, e rabiscou o nome e o endereço do médico num papel.
Folheei nervosamente um exemplar de Baby Talk. Rostos gordos e
brilhantes dos bebês sorriam para mim, página após página – bebês carecas,
bebês cor de chocolate, bebês com cara de Eisenhower, bebês rolando pela
primeira vez, bebês procurando por chocalhos, bebês comendo a primeira colherada
de alimento sólido. Bebês fazendo todas as coisas necessárias para amadurecer,
passo a passo, e encarar um mundo agitado e instável.
Senti um cheiro que era uma mistura de cereal infantil, leite azedo e
fraldas fedendo a bacalhau, e me senti infeliz e frágil. Como parecia fácil ter
bebês para aquelas mulheres! Por que eu era tão distante e pouco maternal? Por
que eu não tinha vontade de devotar minha vida a uma série de bebês gordos,
como Dodo Conway?
Eu ficaria louca se tivesse que cuidar de um bebê o dia todo.
Olhei para o bebê no colo da mulher à minha frente. Eu não tinha a menor
ideia da idade dele. Nunca consegui adivinhar esse tipo de coisa com bebês - por mim ele podia falar pelos cotovelos e ter vinte dentes atrás de seus lábios
rosados. Sua cabecinha oscilava sobre seus ombros – ele parecia não ter pescoço
– e ele me observava com uma expressão sábia e platônica.
A mãe do bebê sorria sem parar, segurando aquele bebê nos braços como se
fosse a primeira maravilha do mundo.
Fiquei encarando a mãe e o bebê em busca de uma pista que explicasse sua
satisfação mútua, mas, antes de ter chegado a uma conclusão, o médico me mandou
entrar.
- Você quer um contraceptivo – ele disse alegremente, e eu respirei
aliviada achando que ele não era o tipo de médico que fazia perguntas
embaraçosas. Eu tinha considerado a possibilidade de dizer a ele que planejava
me casar com um marinheiro assim que o navio dele atracasse no cais da Marinha
de Charleston, e que só não tinha um anel de noivado porque éramos muito
pobres, mas na última hora resolvi deixar essa história para lá e disse apenas
que ‘sim.’
Subi na mesa do exame pensando: ‘estou subindo rumo à liberdade. Vou me
libertar do medo, de me casar com a pessoa errada – Buddy Willard, no caso – só
por causa do sexo, daquelas instituições para onde vão todas as garotas pobres
que deviam ter usado contraceptivo como eu, porque o que quer que elas tenham
feito, elas acabarão fazendo de novo...’.
Voltei para a clínica com a minha caixinha embrulhada em papel pardo no
colo, como a sra. Fulana voltando de um dia na cidade com um bolo para a tia
solteirona ou um chapéu do Filene’s Basement. Aos poucos, minha suspeita de que
católicos tinham visão de raio X diminuiu, e fiquei mais à vontade. Eu tinha
aproveitado bem meu dia de compras.
Eu era dona de mim mesma."
(A Redoma de Vidro - Sylvia Plath)
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